domingo, 23 de março de 2008

Cap. 5 | Olfato

"Tão logo que o líquido quente misturado com o miolo tocou meu palato, um arrepio correu por todo meu corpo, e eu parei, tomado pela coisa maravilhosa que estava acontecendo comigo. Um prazer exótico invadiu meus sentidos... sem sugestão da sua origem... De repente a memória foi revelada. O gosto era de um pequeno pedaço de ‘madeleine’ que nas manhãs de domingo... minha tia Leonie costumava me dá-lo, mergulhando-o primeiro na sua própria xícara de chá... Imediatamente a vela casa cinza na rua, onde estava seu quarto, desabrochou algo como um cenário... e toda a cidade, com suas pessoas e casas, jardins, igreja, a arredores, tomando forma e consistência, tornando-se realidade através da minha xícara de chá”.

Em "Remembrance of Things Past", livro de onde esse trecho foi tirado, o romancista francês Marcel Proust descreveu o que aconteceu com ele depois de tomar uma colherada de chá na qual ele mergulhou um pedaço de “madeleine”, um tipo de bolo.

Somente pegar, olhar ou lembrar do bolinho, não teria o mesmo efeito de remeter o personagem às lembranças de sua tia. Sem esse contato olfato-gustativo, sua experiência não seria tão intensa e real como a descrita. Esse trecho do livro tornou-se uma referência recorrente quando se trata do poder da memória olfativa, e da literal viagem no tempo que fazemos ao termos contato com algum aroma familiar. Isso provavelmente porque há mais conexões entre a região olfativa do cérebro ao complexo amídala-hipocampo (onde as memórias emocionais são processadas) do qualquer outro sentido tem. O aroma não é filtrado pelo cérebro, é instintivo e involuntário.

Diferente de grande parte dos animais, nosso sentido imediato de reconhecimento de alguém ou alguma coisa não é o olfato, mas a visão. Talvez por isso, apesar de sentirmos cerca de 10.000 tipos de odores separadamente, não temos termologias específicas que possam descrever um cheiro para alguém que nunca o tenha sentido, enquanto possuímos uma gama imensa de nomes para as diferentes cores que existem.

Olfato é o outro sentido químico. Diferente do paladar, há centenas de receptores olfativos, cada um ligando a uma característica da molécula em particular. Moléculas odoríferas possuem uma variedade de características e por isso estimula específicos receptores mais ou menos intensamente. Essa combinação de sinais estimulantes de diferentes receptores cria o que percebemos como o cheiro da molécula. Os neurônios no nariz diferem da grande parte dos outros, visto que eles morrem e se regeneram de forma regular.


Outras informações importantes sobre o olfato:

- Na realidade, a parte do nariz que podemos enxergar de fora serve apenas para inspirar e canalizar o ar que contém moléculas odoríferas. Os neurônios que sentem essas moléculas localizam-se no fundo da cavidade nasal, em um remendo de células chamadas de epitélio olfativo.

- Nosso paladar apenas promovem 4 sensações distintas: doce, salgado, azedo e amargo. Outros sabores vêm do cheiro, e quando o nariz está entupido por um resfriado, grande parte da comida parece sem graça ou sem gosto.

- Mas não só o gosto da comida se perde quando não sentimos cheiro. As experiências de fazer amor ou mesmo passear numa manhã primaveril podem ser prejudicadas. Há casos em que se verifica que há uma diminuição de intensidade em todas as experiências emocionais.

- Os odores podem ser classificados em agradáveis, como os estudados pela perfumaria, e desagradáveis, como os que são controlados por substâncias desodorantes. Afora o critério subjetivo, os odores podem também constituir grupos de acordo com os efeitos que provocam, como os feromônios ou hormônios sexuais, que ativam a libido pela excitação provocada pelo aroma.

- Antigamente, o sistema límbico era chamado de cérebro das emoções. Quando estamos muito tensos e nervosos, um aroma de lavanda é capaz de nos relaxar e nos induzir ao sono, ajudando em casos de insônia. Quando estamos apáticos, deprimidos, infelizes, o aroma de bergamota pode ajudar na recuperação. Aromas de limão e eucalipto melhoram a concentração, enquanto os de alecrim aliviam o cansaço.


A relação odor/emoção não pára por aí. Empresas têm investido cada vez mais na sua identidade olfativa, criando fragrâncias voltadas para os seus consumidores principais. O perfil desse público vai definir se a fragrância deve ser suave, doce, masculina ou mais tradicional. Além disso, há empresas que preferem investir em uma identidade na própria loja, criando uma memória olfativa nas pessoas que passam por ali.

Alguns exemplos que me marcaram nesse sentido foram a loja de sapatos Mr.Cat, que sempre teve, para mim, um cheiro bem característico e agradável. Por vezes eu parava para ficar um tempo sentindo aquele cheiro que me fazia bem, sob o pretexto de ver um sapato na vitrine.

A marca Dove também investiu nesse sentido. Praticamente todos os seus produtos têm um cheiro bem característico da marca, desde shampoos a desodorantes, que pode ser identificado facilmente e, o melhor, associado à marca.

Lembro também de um hotel em que fiquei hospedada em Buenos Aires. Ao entrar lá pela primeira vez, cansada da viagem e sonolenta, pois estava de madrugada, me deparei com um suave e maravilhoso aroma de baunilha. Era sempre um prazer esperar naquele saguão de entrada.

Entretanto, um fator que está diretamente relacionado com essa identidade olfativa e que é primordial, é o material que escolhemos para o que quer que entre em contato com o consumidor e isso pode jogar contra nós ou podemos usar a nosso favor.

Esse mesmo hotel com saguão de baunilha trouxe outra surpresa para o meu sistema olfativo, mas dessa vez não era tão agradável assim. Ao entrar no quarto senti que havia alguma coisa estranha, que não cheirava bem (e ai me deparo com o problema da falta de vocabulário para descrever o tal cheiro), mas era algo parecido com mofo. O problema estava na madeira que escolheram para o armário e perfume nenhum conseguiria amenizar.

De que maneira podemos aproveitar essa informação em design? Não é sempre que estamos envolvidos em algum projeto de ambientes, mas o que dizer de projetar embalagens? Escolher um determinado tipo de papel para rechear um livro, a cola para montar um protótipo, ou usar papel paraná em uma apresentação de layout que vai chegar aos receptores olfativos do cliente terá impacto direto sobre ele. Por isso, o material é importante e devemos estar sempre analisando os que podem nos somar benefícios e causar uma boa impressão.

Um dos maiores desafios das empresas é conseguir materializar o cheiro e atribuir imagens e melodias a ele, como na venda de perfumes. Nesse caso a saída tem sido de explorar um conceito bastante abstrato: atitude.

A coisa funciona mais ou menos assim: determinada fragrância ativa determinados receptores mais, outros menos, causando determinada sensação e estado emocional. Nós escolhemos determinado cheiro de acordo com nosso gosto pessoal, estado emocional momentâneo ou sensação que queremos estimular em nós mesmos ou em outras pessoas.

Tudo isso é captado e a sua recorrência é atribuída a um grupo de pessoas que têm certa atitude em comum e é para elas que o comercial daquele perfume é voltado. No entanto, pouquíssimas empresas investem na maneira mais fácil de apresentar a sua fragrância, que é oferecendo amostras do seu produto de maneira cada vez mais bem sucedida. Por mais que o consumidor se encante com o seu ator preferido na campanha, que custou milhares de dólares na sua produção, ele não vai levar um perfume que não lhe agrada.

Há uma variedade enorme de produtos em que podemos trabalhar aromas. Desde os antigos papéis de carta, às canetas com diversos cheiros (relacionados às cores) a idéia de associar aromas a cores de roupas para que cegos, que foi proposta durante uma palestra em um encontro de design. Quem sabe em um futuro próximo seja finalmente concretizada a idéia de televisores e computadores que venham com um dispositivo que libera odores?

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