domingo, 23 de março de 2008

Cap. 2 | Visão

Começarei o estudo de sentidos por esse que é o mais importante no trabalho do design gráfico. É o que causa maior impacto na grande maioria dos casos, não só em seu aspecto físico, mas também no conceito psicológico que ele engloba. Esse último é ainda mais importante porque o mesmo conteúdo físico causa um efeito psicológico diferente em cada ser vivo que o percebe.

“O sistema visual, o qual a atividade envolve um quarto das células no córtex cerebral humano, atraiu mais pesquisa que todos os outros sistemas sensoriais juntos. É também o sentido mais acessível de todos.” (Trecho retirado do site do Howard Hughes Medical Institute)

Antes de tudo, vamos entender como funciona o processo de captura da imagem até a sua chegada ao cérebro através de uma explicação bem simples:


1- O olho capta os fótons de luz graças à retina, composta de cones e bastonetes.

2- Todo objeto, ao receber a incidência luminosa, absorve determinadas freqüências de raios e reflete outras. A média dessas ondas refletidas pelas suas moléculas caracterizam a cor de cada um. Os cones são responsáveis pela absorção dessa informação. Os bastonetes são 100 vezes mais sensíveis à luz que os cones e não captam cores, apenas tons de cinza. São eles que nos permitem enxergar em lugares de baixíssima luminosidade, além de serem usados na visão periférica.

3- A retina então envia esses dados ao cérebro através do nervo óptico.


Outras informações interessantes sobre a visão:

- Alguns especialistas acreditam que a percepção de profundidade é um sentido visual, mas geralmente isso é considerado uma função cognitiva (ou seja, pós-sensorial) do cérebro para interpretar informação sensorial e transformá-la em uma nova.

- Nosso olho possui um ponto cego que não capta luminosidade. Dele saem o nervo óptico e os vasos sangüíneos que irrigam o órgão. A falha da captação de informação nessa área é corrigida pelo cérebro, que preenche esse espaço somando as imagens levadas pelos dois olhos.

- Há a chamada percepção espacial que nos permite, em apenas alguns milésimos de segundos, prever o acontecimento de certas coisas. Não estou falando de paranormalidade, mas sim de saber, por exemplo, se poderemos atravessar a rua ou não.
Ao olharmos em direção aos carros, damos ao cérebro a informação que o torna capaz de calcular mais ou menos a velocidade do veículo. Isso, somado ao conhecimento do tempo que levamos para chegar ao outro lado, permite que a gente decida se consegue atravessar e a que velocidade.

- Animais enxergam de forma bicromática (faixas verde e azul). Humanos de forma tricromática (verde, azul e vermelho).
Uma pesquisa feita em 2005 mostrou que 6,4% dos brasileiros entre 12 e 59 anos que vivem nas cidades têm, pelo menos, –1,00 de miopia. Há uma cidade em que 1 em 8 estudantes são míopes.


Deixando de lado o aspecto fisiológico da visão, vamos agora partir para a parte que liga esses dados à nossa área de interesse.

Dentre todos os aspectos do estímulo visual que utilizamos em um projeto, podemos agrupá-los nos 3 mais importantes: cores, equilíbrio e movimento. Vamos a eles!


Cores

Como foi dito anteriormente, a definição da cor é feita pela interação das moléculas que compõem o objeto e a incidência luminosa sobre elas.

Com a combinação de cores é possível perceber tudo a nossa volta, desde que haja contraste entre elas. Por menor ele seja, conseguimos, assim, identificar formas, ler palavras, perceber profundidade, tamanho e por aí vai.

Além de todas essas possibilidades, há duas que são extremamente importantes na criação gráfica: textura e volume. Isso é possível graças ao contraste de brilho.

O contraste de brilho é responsável pela ilusão do claro-escuro. Através dele, independente da sua intensidade, podemos visualmente identificar se um objeto tem uma textura de madeira, por exemplo. Naturalmente, junto com essa informação, vem todo o conceito que já temos formado sobre a madeira, considerando seu peso, sensação ao toque e temperatura, etc.

O contraste é a característica mais importante quando pensamos em cores em projetos gráficos. Quando esse conceito é mal aplicado, abrimos margem para a falta de legibilidade de textos, confusão na prioridade de informações e, se aplicado em excesso, falha completa na comunicação.

Levando isso em conta, abaixo há uma tabela, elaborada por Karl Borgraffe, que especifica combinações das 5 cores das mais e as 5 menos legíveis de letra e fundo:
(Os valores referem-se ao tempo, em segundos, necessário para a leitura em cada caso).

Preto sobre amarelo

Classificação: 1
Luz Natural: 1,31
Luz Artificial: 1,33


Amarelo sobre preto

Classificação: 2
Luz Natural: 1,34
Luz Artificial: 1,40


Verde sobre branco

Classificação: 3
Luz Natural: 1,35
Luz Artificial: 1,30


Vermelho sobre branco

Classificação: 4
Luz Natural: 1,36
Luz Artificial: 1,26


Preto sobre branco

Classificação: 5
Luz Natural: 1,36
Luz Artificial: 1,32


Laranja sobre azul

Classificação: 26
Luz Natural: 1,52
Luz Artificial: 1,60


Amarelo sobre laranja

Classificação: 27
Luz Natural: 1,52
Luz Artificial: 1,62


Vermelho sobre laranja

Classificação: 28
Luz Natural: 1,54
Luz Artificial: 1,64


Vermelho sobre verde

Classificação: 29
Luz Natural: 1,57
Luz Artificial: 1,50


Verde sobre laranja

Classificação: 30
Luz Natural: 1,58
Luz Artificial: 1,47



No livro “Color Harmony”, o autor Hideako Chijiiwa apresenta as etapas para a escolha de cores de um projeto e frisa que a seleção não deve ser feita levando gosto pessoal como prioridade, mas sim a proposta do trabalho.


Abaixo estão as 12 regras apresentadas no livro:

1 – Conheça suas cores – Antes de começar a pensar em qual cor usar, você deve estar familiarizado com as 3 características da cor (tonalidade, brilho e saturação), os usos e emoções associados a cada cor e as 6 categorias de cores (quentes, frias, claras, escuras, vivas ou pastéis)

2 – Conheça seu propósito – Muitas vezes as cores que mais gostamos não ficam bem juntas, ou simplesmente não atendem ao efeito desejado. Um esquema de cores deve sempre refletir o propósito do seu projeto assim como o público alvo.

3 - Escolha primeiro o fundo - Apesar de a sua fonte provavelmente ser uma cor primária intensa, o efeito geral do seu projeto vai depender muito mais da sutileza da cor do fundo.
Quando escolher uma cor de fundo, as cores claras funcionam melhor que as escuras, as quentes melhor que as frias e as vivas melhor que as pastéis.

4 - Escolha o brilho antes da tonalidade - Todas as cores com o mesmo brilho (como, por exemplo, todas as cores claras ou todas as escuras) são bastante parecidas, não importa a tonalidade, enquanto as de mesma tonalidade, mas brilho diferente, podem ser surpreendentemente diferentes.

5 - Varie o brilho - Para dar profundidade e ritmo.

6 - Use tonalidades compatíveis - Combinações de cores que variam tanto o brilho quanto a tonalidade quase sempre fazem contraste demais: há uma linha tênue entre contraste e caos.

7 - Limite o número de cores - Duas ou três cores é normalmente o suficiente, mas independente do número de cores que você use, certifique-se que há uma cor dominante somente: uma cor que define o tom para todo o esquema. As outras cores devem estar subordinadas a ela em tonalidade, brilho ou saturação.

8 - Use cores vivas esparsamente - Não use com muita freqüência pois pode tornar-se cansativo. Fundo com cores vivas geralmente pedem um tom neutro ou acromático.

9 - Use cores acromáticas para harmonizar - Na dúvida, use as cores que combinam com tudo. Cuidado com todos os outros trabalhos que as usam, que eles podem tirar o destaque do seu produto.

10 - Use cores familiares - Esquemas de cores que usam cores incomuns como magenta, cyan ou roxo podem, em alguns casos, parecer incômodas e feias, mesmo quando seguem as regras de harmonia de cores. A não ser que a sua intenção seja impactar seu público, você perderá alguns pontos por não usar cores não encontradas na natureza ou tonalidades não comuns de certas cores (amarelo escuro, ou laranja, azul ou verde muito pálido).

11 - Use cores naturais - Varie mais brilho que tonalidade já que nossos olhos são mais sensíveis à variação de claro-escuro.

12 - Seja original - Ignore tudo o que foi dito aqui. Nem sempre seguir as regras te leva a um esquema de cores bonito.
Mas lembre-se de que nosso senso de cor rapidamente se adapta a qualquer nova tendência em design gráfico e o que é novo e diferente há um ano, poderá parecer cansativo e repetitivo hoje.

Essa última regra, apesar de aparentemente anular tudo o que foi dito acima, diz que na grande maioria das vezes, não conseguiremos por em prática nossas idéias inovadoras e diferentes, porque serão poucos clientes que vão querer apostar em uma postura ousada. Nesse caso, as regras acima serão bem vindas e facilitarão bastante a criação de maneira simples e eficiente no sentido de fazer a mensagem chegar ao público-alvo. Contudo, ser tradicional, não quer dizer não ter personalidade, pois é ela que diferencia as concorrentes e, retirando o diferenciador preço, é a que desempata na hora da decisão.


Equilíbrio

Claro que uma boa seleção de cores de um projeto é importante, mas ela não funciona por si só. Se não há harmonia e organização da informação, a mensagem não é bem compreendida.

Equilibrar elementos, levando em conta cores, peso, importância e alinhamento é como aprender a dirigir um carro. No início pode parecer muito complicado e trabalhoso, mas depois de um pouco de prática, torna-se natural. Depois de estar familiarizado com o esse conhecimento, você consegue usá-lo para dar tons diferentes nos seus projetos.

Von Ehrenfels, filósofo vienense, foi precursor de uma psicologia sobre a percepção de estruturação das formas, a Gestalt, já citada anteriormente. O termo significa boa forma, uma integração de partes em oposição à soma do todo e o movimento sugere uma resposta ao porquê de algumas formas agradarem mais que outras.

“Segundo essa teoria, o que acontece no cérebro não é idêntico ao que acontece na retina. A excitação cerebral não se dá em pontos isolados, mas por extensão. Não existe, na percepção da forma, um processo posterior de associação das várias sensações. A primeira sensação já é de forma, já é global e unificada.” – trecho retirado do livro “Gestalt do objeto”, de João Gomes Filho.

O cérebro, ao receber a informação, tende a padronizar as formas através de um dinamismo auto-regulador do sistema nervoso central, no intuito de procurar por estabilidade. Ele elege uma característica comum mais marcante entre os elementos (como cor, tamanho, forma) e os agrupa sob esse critério.
Por isso a escolha dos objetos que estarão adjacentes um ao outro deve ser feita de maneira cautelosa.

Considerar a força da gravidade é concentrar a maioria da informação na parte de baixo e deixar um espaço livre na parte de cima.

Já o alinhamento acompanha um ponto de referência, geralmente a forma do suporte da informação, um ângulo marcante ou o centro dos elementos.


Movimento

Independente do modo como é apresentado, ele sempre acrescenta dinamismo e velocidade nas estruturas gráficas. Em design gráfico, a noção de movimento pode ser dada de forma concreta ou induzida.

Há meios em que deslocar um movimento de um lugar a outro é realmente possível de ser feito. Já em outros, apenas o congelamento do momento do transporte ou o uso de diagonais e elementos que simulem esse instante, transmitem essa sensação.

A percepção do movimento varia de uma cultura para outra devido ao sentido de leitura de cada povo. Da esquerda para a direita, de cima para baixo, tudo isso interfere na interpretação da mesma imagem por pessoas diferentes.

Para nós brasileiros, é considerada confortável uma leitura ascendente - da esquerda para a direita horizontalmente e de baixo para cima no sentido vertical (com exceção dos balões dos quadrinhos, que a preferência é de cima para baixo).

O movimento é uma ferramenta muito eficiente para literalmente tirar sua mensagem do plano estático, se aplicado de maneira coerente. O que deve ser levado sempre em conta é o ambiente em que ele será aplicado, de maneira que ele deve quebrar a constância dos elementos a sua volta para sobressair aos olhos do público. Na grande maioria das vezes, anúncios que se intercalam em um expositor no ponto de ônibus, um banner animado em um site, luzes que piscam ou mesmo uma embalagem sinuosa, se destacam e são boas alternativas para quebrar os tradicionais planos estáticos.

Mas esse conceito não se restringe somente a chamar a atenção. A animação é uma boa ferramenta para contar histórias e criar ligação emocional com o cliente. Seja através de personagens, linhas suaves, “splashes” agressivos ou a disposição de uma logo em vários quadros.

Como pudemos ver, apesar de a visão ser o sentido mais explorado pelos designers e o melhor percebido pelas pessoas, não basta apenas levar em conta o gosto pessoal ou copiar o que os seus concorrentes estão fazendo. A mensagem visual vai muito mais além do que os olhos vêem, já que cada um faz uma associação diferente da mesma imagem. Isso acontece não só com o sentido visual, mas com todos os outros, como veremos a seguir.

Nenhum comentário: